Vínculo de Emprego entre Pastor e Igreja: STF Reafirma Competência da Justiça do Trabalho
- Lucas Agassi de Souza

- 25 de ago.
- 2 min de leitura

A relação entre instituições religiosas e seus líderes espirituais é, tradicionalmente, vista sob o prisma da fé e da vocação. No entanto, quando atividades pastorais passam a seguir uma lógica organizacional semelhante à de uma empresa, surge uma questão jurídica relevante: há vínculo de emprego?
Recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal respondeu afirmativamente a essa pergunta, ao manter o reconhecimento de vínculo empregatício entre um pastor e a Igreja Universal do Reino de Deus. A decisão reforça o entendimento de que é papel da Justiça do Trabalho avaliar, caso a caso, a existência dos elementos típicos da relação empregatícia.
O caso: entre o púlpito e a CLT
O pastor atuou entre 2008 e 2016 com remuneração mensal fixa, inclusive no período de férias. Segundo a decisão da Justiça do Trabalho, ele seguia horários, metas e ordens estabelecidas pela administração da igreja — elementos que afastam a tese de atuação meramente religiosa ou voluntária.
Com base nessas provas, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo. Inconformada, a igreja apresentou reclamação constitucional ao STF, tentando reverter o entendimento.
A decisão do STF (justiça do trabalho)
O ministro Nunes Marques, relator do caso, rejeitou a reclamação de forma monocrática. Para ele, não havia conexão direta entre o caso concreto e os precedentes do Supremo sobre terceirização e contratos civis de prestação de serviços.
No plenário virtual, a maioria dos ministros manteve essa decisão. A Corte reforçou que é da Justiça do Trabalho a competência para examinar a presença de subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade — os quatro pilares do vínculo empregatício.
Divergência pontual
O ministro Gilmar Mendes ficou vencido. Ele defendeu a suspensão do processo até o julgamento de um recurso com repercussão geral (Tema 1.389), que discute a legalidade da contratação de pessoas físicas como pessoas jurídicas (a chamada “pejotização”). Apesar da divergência, a decisão majoritária prevaleceu.
O que está em jogo?
A decisão não interfere na liberdade religiosa, tampouco impede o exercício da fé. O que se debate é a natureza jurídica da relação entre a instituição religiosa e quem nela atua de forma contínua, remunerada e subordinada. Quando a prática religiosa se organiza como atividade institucional com características empresariais, os direitos trabalhistas entram em cena.
Implicações práticas
Para instituições religiosas: é preciso rever as formas de contratação e atuação dos líderes religiosos, evitando a precarização travestida de vocação.
Para os trabalhadores: abre-se um precedente para o reconhecimento de direitos quando há subordinação disfarçada sob o manto da religiosidade.
Para o Judiciário: reafirma-se o papel da Justiça do Trabalho na análise técnica e individualizada de cada relação profissional, mesmo em contextos religiosos.
Conclusão: fé não exclui direitos
A atuação pastoral pode, sim, ser um ato de fé — mas isso não exclui o direito ao reconhecimento de vínculo de emprego quando as condições assim indicarem. O STF deixa claro que fé e legalidade podem — e devem — coexistir, cada qual respeitando seus limites.




Comentários